
Dalton Trevisan: A Fascinação pelo Machado e a Obsessão pela Bíblia Reveladas!
Dalton Trevisan: Um Retrato do Grande Contista Brasileiro
Dalton Trevisan, um dos maiores contistas brasileiros, faria 100 anos em 14 de junho de 2025. Sua trajetória literária foi marcada por uma profunda devoção à leitura e a influência de grandes autores. Um biógrafo, com acesso inédito a documentos pessoais, relata como esses fatores moldaram a sua formação como escritor.
Trevisan, nascido em Curitiba em 1925, chegou a ser conhecido como o "mestre do conto brasileiro". Entre seus autores favoritos estavam Tchékhov, Machado de Assis e Manuel Bandeira, enquanto demonstrava uma crítica ácida a figuras como Guimarães Rosa. Embora fosse um ateu declarado, sua obra é populada por temas místicos, e ele dedicou cerca de 30 anos à leitura da Bíblia, revendo suas páginas repetidamente.
Em seu livro "Desgracida", relançado em uma nova edição, Trevisan expõe trechos de cartas trocadas com amigos literários, incluindo Otto Lara Resende e Rubem Braga. Essas cartas revelam suas opiniões pessoais sobre outros escritores, como Guimarães Rosa, com quem, ironicamente, ele parecia sentir certa resistência. Uma missiva datada de 1967 ilustra essa provocação, onde Trevisan sugere ao amigo uma discussão sobre o "Grande Sertão: Veredas".
Na década de 1960, Trevisan se aprofundou na literatura, formando um cânone pessoal que o influenciou de maneiras significativas. Sua biblioteca, agora doada ao Instituto Moreira Salles, contém mais de 2.400 volumes, muitos anotados e sublinhados. Essa biblioteca reflete seu gosto por obras que abrangem diferentes estilos e épocas, desde os clássicos até autores contemporâneos.
Além de seus autores clássicos favoritos, ele desenvolveu um amor compulsivo pela obra de Tchékhov, a ponto de formar um cânone próprio com suas histórias. Esse afeto pela literatura, em particular pela obra russa, demonstra não apenas sua habilidade como leitor, mas também como escritor. Ele consumiu e revisitou clássicos ao longo de várias décadas, criando um diálogo pessoal entre suas leituras e sua produção escrita.
Trevisan também voltou a autores clássicos portugueses que havia deixado de lado em sua juventude, com resultados variados. Suas notas e diários revelam uma relação crítica e irônica com muitas dessas obras, refletindo sua busca incessante pelo que considera literatura de qualidade. Entre seus hábitos curiosos estava o de não assinar muitas de suas cartas, conferindo um caráter anônimo e intrigante à sua correspondência.
Apesar de sua produção marcada por uma prosa concisa, Trevisan teve uma relação singular com a Bíblia. Entre os anos 1980 e 1990, ele registrou em seus diários suas lutas e reflexões, frequentemente utilizando a Bíblia como apoio em momentos de insônia. Suas anotações, que incluíam orações e reflexões pessoais, revelam uma faceta íntima do autor que contrasta com sua personalidade pública.
Entre os Evangelhos, o de São Lucas se destacou em sua leitura, levando Trevisan a refletir sobre temas como a complexidade das relações familiares, algo que ecoa em sua literatura. Ele também admirava Paul Léautaud, um crítico e jornalista francês, adotando sua voz como uma espécie de conselheiro literário. Isso demonstra a forma como Trevisan buscava inspiração tanto em vozes espirituais quanto seculares em sua escrita.
A formação de Dalton Trevisan como escritor também foi influenciada por suas experiências pessoais, incluindo uma viagem à Europa em 1950. Durante esse percurso, Trevisan explorou suas raízes familiares e começou a entender melhor seu papel como escritor. Esse momento é reconhecido como um divisor de águas em sua vida, que se reverteu em uma produção literária intensa nos anos que se seguiram.
Embora tenha enfrentado momentos de crise e desafios em suas leituras, Trevisan sempre retornou a sua paixão pela escrita. Isso se reflete em suas coleções, contos e cartas, que formam um retrato vívido de seu caráter e de seu processo criativo.
A obra de Dalton Trevisan não é apenas uma coleção de contos, mas um testemunho de um escritor que buscava lidar com as complexidades da vida, da literatura e da condição humana. Sua busca pela concisão, sua devoção à leitura e suas reflexões sobre a morte e a decadência se entrelaçam em uma rica tapeçaria literária que continua a ressoar, estabelecendo-o como um ícone na literatura brasileira.